Análises, Cinema

The Power of the Dog (Netflix) – Análise

The Power of the Dog é um drama escrito e dirigido por Jane Campion (diretora veterana neozelandesa galardoada, conhecida pelos seus trabalhos no Piano, Bright Star, In the Cut, Holy Smoke e The Portrait of a Lady), baseado no romance de mesmo nome de Thomas Savage (autor americano conhecido pelos seus romances sobre as primeiras experiências no velho oeste). Estreou a nível Mundial no 78º Festival Internacional de Cinema de Veneza (tendo recebido uma ovação de pé da plateia no final da sua apresentação, que já tínhamos referido aqui), e teve um lançamento limitado nas salas de cinema no dia 17 de novembro de 2021, e posteriormente ficou acessível na Netflix a partir 1 de dezembro de 2021. Possui ainda a composição musical de Jonny Greenwood (músico e compositor britânico, que integra a banda Radiohead, mas também participa com composições musicais em longas-metragens tais como: Spencer, Phantom Thread, There Will Be Blood, The Master, entre outros), e ainda nesta parte técnica, temos cinematografia Ari Wegner e edição de Peter Sciberras.

Este filme possui um pequeno elenco principal, mas com nomes bem conhecidos do Mundo do Cinema, tais como Benedict Cumberbatch (ator britânico mais conhecido pelos seus papéis como Alan Turing, no filme The Imitation Game, no qual teve uma nomeação ao Óscar de melhor ator, Sherlock Holmes na série televisiva Sherlock da BBC e como Dr. Stephen Strange no Universo Cinematográfico da Marvel. Também deu a voz ao dragão Smaug na trilogia de The Hobbit, representou Khan em Star Trek: Into Darkness e Julian Assange em The Fifth Estate, Twelve Years a Slave, 1917, entre outros.), Kirsten Dunst (cantora e atriz americana que aos 12 anos de idade ganhou amplo reconhecimento pela sua interpretação de Claudia em Interview with the Vampire, filme pelo qual ela foi nomeada para um Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante. No entanto, ela alcançou fama internacional com o seu papel de Mary Jane Watson na trilogia Spider-Man. Também trabalhou noutros filmes, tais como Little Women, Jumanji, Drop Dead Gorgeous, Bring It On, Get Over It e Crazy/Beautiful, Wimbledon, Eternal Sunshine of the Spotless Mind, Elizabethtown, Marie Antoinette, How to Lose Friends & Alienate People, Melancolia, etc.), Jesse Plemons (ator americano conhecido pelos seu trabalho em The Irishman, Game Night, Battleship, Bridge of Spies, The Post, Vice e Judas and the Black Messiah), Thomasin McKenzie (jovem atriz neozelandesa, que tem vindo a ganhar reconhecimento na indústria, devido aos seus papéis emblemáticos em Leave No Trace, Jojo Rabbit e Last Night in Soho) e Kodi Smit-McPhee (jovem ator australiano conhecido pelas suas interpretações nos filmes The Road, Let Me In, Dawn of the Planet of the Apes, Young Ones, Slow West. Também é reconhecido pelo seu papel de Nightcrawler, nos mais recentes filmes X-Men, X-Men: Apocalypse e X-Men: Dark Phoenix).

O Rancho…

A estória desta longa metragem, referente aos anos 20, inicia com os irmãos Burbank, dois senhores descendentes de família de alta nobreza, visto serem ricos, e mais do que isso, têm estatuto por terem estudos universitários.

Os irmãos, Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), apresentam personalidades completamente distintas. Phil é um homem dedicado ao trabalho e ao seu rancho, com uma presença intimidante para todos aqueles com quem trabalha, ninguém faz nada sem este o ordenar, e tudo deve-se ao seu mentor Bronco Henry, que lhe ensinou tudo o que sabe. No entanto, George é um homem mais frio no que toca ao trabalho, mas ao mesmo tempo, mais amistoso para aqueles que o rodeiam, pouco se interessa pelo rancho que tem, apenas o tenta gerir da melhor forma, visto se apresentar com trajes mais de formais e não de trabalho como o seu irmão.

Depois de um dia de trabalho, e seguindo uma viagem de negócios, os irmãos acabam por passar numa localidade para comerem e descansarem. Assim que chegam, todos seguem Phil nos costumes praticados por ele, contudo este não inicia sem o seu irmão chegar, ao que todos comentam o que fazer, e numa resposta breve, seca e imperativa Phil, diz que não o vai fazer sem George, mas que eles podem fazer o que quiserem, com um olhar cerrado e um pouco ameaçador, ninguém faz rigorosamente nada, e seguem a linha de pensamento de Phil, esperar por George para celebrarem.

Ainda nesta localidade, os cowboys (a equipa de trabalho do rancho) vão jantar numa pequena pousada, que é gerida pela viúva Rose Gordon (Kirsten Dunst) com ajuda do seu filho Peter (Kodi Smit-McPhee). Rose é a cozinheira e Peter o empregado de mesa, sendo estes os únicos trabalhadores da pousada. Assim que chegam, Phil observa tudo minuciosamente, examinando o que o rodeia ao ínfimo detalhe, facilmente percebendo que Peter tem uma forma muito própria, estranha e peculiar de se apresentar e estar. Por isso, Phil juntamente com os trabalhadores da quinta, começam a ridicularizar o jeito afeminado de Peter, mencionado os feitos de “macheza” de Bronco Henry, deixando George, Rose e Peter desconfortáveis.

Após este evento, George percebe que a situação magoou Rose, e tenta acalmá-la, desculpando-se por todos os que ridicularizaram o seu filho. Devido a este ato gentil, George e Rose aproximam-se, criando a rotina de George realizar visitas diárias à viúva.

Observador que é, Phil, começa questionar o seu irmão, onde vai e qual o interesse numa mulher repugnante e desequilibrada, que nem consegue fazer do filho um “homem a sério”. Cada vez mais convicto dos seus ideais, Phil mostra-se que se opõe a este relacionamento e tenta fazer de tudo para com que este termine. Ele partilha a sua opinião com os pais, numa carta a contar sobre o relacionamento sem cabimento de George com Rose. Contudo, não tem sucesso, pois George afirma que ambos já se casaram, e que nada os vai separar.

Após o casamento, Rose muda-se para o rancho da família Burbank e coloca o seu filho numa faculdade de medicina. Phil deixa imediatamente claro que não gosta dela, pois este acredita que ela apenas se casou com o seu irmão George pelo seu dinheiro, e faz de tudo para dificultar a vida de Rose naquela casa.

De forma a Rose conhecer os seus pais, o governador e a sua esposa, George organiza um jantar. Sabendo que no passado Rose tocava piano, ele decide presenteá-la com um, de forma que esta possa tocar durante o jantar que ele está a planear. Para espanto deste, ela não fica muito feliz com o presente e demonstra-se relutante em tocá-lo, pois diz que já não o faz há muito tempo, mas de modo a agradecer e fazer o marido feliz, Rose tenta treinar, sendo algo que ainda lhe vai trazer mais ansiedade, desconforto e sentimento de “perigo iminente”, pois Phil, com o seu bandolim toca ao mesmo tempo da música do piano, mas com maior qualidade, querendo mesmo demonstrar que Rose não faz parte daquela família.

A partir deste momento, Rose tem uma depressão, querendo cada vez mais ficar sozinha, e não se sentindo bem em qualquer lado da casa, pois só a presença de Phil lhe causa terror e medo, mesmo não o vendo e apenas ouvindo o caminhar pela casa com as suas botas de cowboy.

Peter, quando vai passar uma férias ao rancho, nota que a sua mãe não está bem, estando em constante tensão e medo, refugiando-se num vício. Toda esta transformação de Rose, causa em Peter um desconforto, mas quase nada pode fazer, pois é ridicularizado constantemente pelo grupo. Mas neste rancho todos têm segredos, muitos deles escondidos debaixo de muitas máscaras, e será com estes segredos que Peter irá tentar salvar a mãe do perigo iminente.

O Uivar do cão…

The Power of the Dog, é um filme de drama, contudo a forma como é apresentado assemelha-se a um terror psicológico, onde tudo o que está em cena nos causa desconforto e ameaça, mas não sabemos bem porquê.

Esta longa-metragem é apresentada pela realizadora Jane Campion, baseada no velho oeste clássico, mas cheio de elementos modernos para desmistificar um mítico que já é interiorizado por todos, que é a virilidade do cowboy. O filme é apresentado na visão da realizadora, como algo que é muito recorrente nela, onde tudo é simbólico, as cenas não são demonstradas, apenas contadas de uma forma muito subtil durante uma conversa, mas toda a explicação está na simbologia do que está a ser feito, um simples cavalgar, ou entrançar de uma corda, algo que já é um cunho muito conhecido desta realizadora.

A cinematografia é brilhante, com planos abertos que são magníficos, pois tudo depende da visão de cada um, ver mais além do que está a ser mostrado (uns numa montanha vêm apenas montes e vales, e outros um cão a uivar, mostrando assim as diferenças de cada uma das personagens e como umas se compreendem melhor do que outras). Esta utilização de planos abertos, mostram claramente a separação da sociedade da época, cada um tem a sua função, o rancho é organizado, ninguém se mete no trabalho de Phil, mas mais do que isso a diferença entre homens e mulheres, homens trabalham, mulheres são apenas domésticas ou então trabalham em tabernas e bordéis, a diferença tem um custo e é em torno disto que a estória é contada.

Esta cinematografia juntamente com a linha de pensamento da realizadora, quando combinados torna-se algo genial, pois todos os diálogos estão sincronizados com o que está a acontecer. Numa cena em específico, por exemplo, existe um momento marcante onde Peter passa todo o cenário apenas para ver uns pássaros e enquanto isso é achincalhado por todos, mas não se importa, mostrando que se aceita tal como é, causando conflito noutras personagens, nomeadamente em Phil.

A nível de interpretações do atores, todo o filme é protagonizado pelo excelente Benedict Cumberbatch, que roça a perfeição, com uma presença bastante forte e intimidante, e mesmo sem estar em cena sente-se a presença do ator, seja no caminhar, respirar ou até a tocar bandolim. De forma geral o restante elenco tem uma boa prestação destacando-se ainda Kirsten Dunst, que é tem uma magnífica relação com Benedict quando estão os dois cena, passando todos os sentimentos vividos pela personagem, e Kodi Smit-McPhee que interpreta Peter, que claramente é uma personagem que apenas tem destaque no último terço do filme, mas quando entra na estória, muda completamente o rumo, pois é a partir dele que existe um maior desenvolvimento das personagens, pois o dia-a-dia as vai moldando.

O trabalho de Jonny Greenwood é exímio, apresentando uma composição musical que nos acompanha durante as 2 horas de filme, e que faz com que a tensão aumenta entre cenas, e nos momentos certos expõe temas mais deprimentes para nos ligarmos a determinadas personagens. A par da composição, a sonografia é mais um dos pontos positivos desta longa-metragem, a edição e mistura de som tenta procurar o detalhe, onde no meio de rancho onde vários animais se movem, consegue-se perceber cada salpico de lama, fazendo o espectador imergir no Mundo do oeste.

Em suma, The Power of the Dog é um excelente filme, sem dúvida a par de tick, tick…BOOM!, que são as grandes apostas por parte da Netflix para as premiações cinematográficas que se avizinham. O trabalho da realizadora é notável, conseguindo contar esta estória, e mesmo sem mostrar pormenores, estes são contados de uma forma simbólica, principalmente toda a carga e tensão sexual existente. Contudo, The Power of the Dog, peca um pouco no desenvolvimento de algumas personagens, pois para haver um maior destaque da relação entre personagens (Phil e Rose, e mais tarde Phil e Peter), o desenvolvimento de outros fica esquecido ou perde espaço (mas não sendo algo estritamente necessário para a compreensão do rumo da estória). Tal como mencionado anteriormente, as interpretações do elenco são exímias, havendo o maior destaque para Benedict Cumberbatch, que tem uma performance a roçar a perfeição (sendo digna da nomeação ao Óscar de melhor ator).

Toda esta estória é sobre um mito que não existe, uma estória simples que o espectador apenas tem de apreciar, pois tudo o que existe dentro do meio daquele rancho é aceite (os cowboys são todos machos, independentemente do que façam), mas algo diferente ou que venha de fora é demonizado (um pequeno rapaz que gosta de flores ou até mesmo os índios). Esta longa-metragem, toca em temas como a aceitação tal como somos, incluindo orientação sexual, mostrando tudo isso num paralelismo e espelho de personalidades entre personagens, onde todas estas têm segredos, e no fundo são iguais, mas a forma como lidam com a situação e como se aceitam é que as difere.

Partilhamos, convosco o trailer deste recente drama da Netflix

8.0
Score

Pros

  • Direção de Jane Campion
  • Interpretação de Benedict Cumberbatch (no limiar da perfeição)
  • Interpretações magnificas de Kirsten Dunst e Kodi Smit-McPhee
  • Cinematografia e a apresentação dos planos
  • Banda sonora
  • Sonografia (excelente e bem detalhada)

Cons

  • Poderia haver um maior destaque e desenvolvimento de algumas personagens
  • É uma longa-metragem muita simbólica, os mais desatentos poderão não compreender a moral estória

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