Análises, Cinema

The Batman – Análise (com spoilers)…Sim, pode ser questionado!

Contém Spoilers, por favor, não avancem se não viram o filme

2022 pode ter começado muito mal, mas a Warner Bros, sob a batuta do Matt Reeves, tentou alegrar-nos um pouco nesta fase difícil. Como? Revelando-nos um filme longo, negro e melancólico (confesso que agora que escrevo esta frase, acho que nem The Batman nos alegra). Esta é a análise do filme mais recente da DC Comics, The Batman. Nela irei abordar os pontos que para mim foram mais importantes na história e na produção do mesmo e tentar revelar as nuances de um filme que são complexas.

Um autêntico policial

The Batman tem um início bastante curioso. Sendo o filme uma releitura da personagem no universo cinematográfico da DC Comics (muito à semelhança de Joker), foi necessária criar uma nova introdução, tanto ao filme, como à personagem.

No caso específico do Batman, essa introdução é um pouco difícil, uma vez que está tão batida que começa a ser cansativa. Toda a gente que tenha uma bagagem básica de bandas desenhadas de super-heróis está cansada de saber o passado do personagem e, por isso, o início seria um assunto delicado no filme. Esse problema aconteceu também com a nova trilogia Spider-Man. E ambos os filmes tiveram processos semelhantes na forma, mas muito diferentes no conteúdo.

Ambos fazem um exercício metalinguístico de acreditar que quem está a ver os filmes tem conhecimento do nascimento original das personagens e da história delas.

A diferença no conteúdo está no tratamento da informação. Enquanto o filme da Marvel altera uma parte da história (a cena do tio Ben deixa de existir, por exemplo), The Batman omite mesmo toda essa origem e cria uma introdução, não da personagem, mas dos efeitos imediatos do seu aparecimento. Para esse efeito, o realizador usa um estilo muito característico de filmes policiais antigos. O típico filme de palete de cores básica e morta (quando não era em preto e branco), com foco no combate ao crime e com uma amostra do íntimo do protagonista através de notas mentais do mesmo (no caso deste filme, essas notas até eram materializadas em notas físicas anotadas num ficheiro).

Eu penso que foi uma incrível introdução. Não nos cansou com mais um assassinato dos pais Wayne, nem com mais um treino com morcegos do Bruce, apresentou o clima do filme, mostrou as cicatrizes do filhote Wayne, bem como a sua índole. Foi uma síntese impecável.

Gotham: o labirinto do rato

Ao lado de uma metrópole luminosa e rica, está uma periferia escura, pobre e pequena. Essa é a crítica materializada em forma de cidade. Ao longo do filme, vê-se que estas duas metades se misturam. Os poderosos do “mundo rico” apoderam-se do obscurantismo da periferia e é aí que começa o reduzir do espaço seguro para o Batman, tanto em termos geográficos, como em termos logísticos e humanos. Quanto mais charadas do Riddler Batman conseguia resolver, mais o mesmo se envolvia na teia de aranha criada pelos poderosos da cidade. Mais ele caía no labirinto das mentiras, da riqueza, da influência e do crime.

Dá mesmo para fazer um paralelismo entre o labirinto que o Riddler utiliza e o labirinto onde o Batman se encontra pelo filme todo (paralelismo consumado com o morcego preso numa das gaiolas do vilão).

O devorar do Batman pela cidade é algo muito presente no filme, quase como se nos estivesse a passar o sentimento, que depois é verbalmente transmitido pela Cat Woman, que as feridas da cidade são mais profundas do que o herói pensa e são demasiado graves para que apenas a vingança seja capaz de as curar.

De Arkham a Wayne, de vingança a esperança

Riddler perdeu a guerra, mas ganhou três batalhas. Há uma vitória na narrativa, a destruição dos alicerces de Gotham e da elite corrupta foi um sucesso e as suas consequências são reais. As outras duas são relacionadas ao íntimo do Batman e ambas se relacionam. O vilão mexe com os valores mãe do Batman. Cria um cenário que conduz o protagonista ao desmoronamento do pensamento “a minha família boa e pura foi derrotada pela criminalidade vil, cruel e imperdoável” e, com isso, Riddler fez cair a máscara de Bruce Wayne do próprio Batman.

“Eu sou a vingança”. Esta é a primeira forma que o Batman se define no filme. É curioso que o termo Batman é muito pouco mensurado ao longo do filme. O Gordon chama-o chefe, por exemplo. E, ironicamente, a Cat Woman, a pessoa que provavelmente melhor conhece a realidade da cidade, chama Vingança. Porque ela percebeu rapidamente que o Batman estava mergulhado numa cegueira vingativa e ingénua de “há bons, há maus e temos de lutar contra o mal, o mal que matou os meus pais, o mal que matou a pureza”.

No entanto, essas derrotas, fizeram evoluir a personalidade do Batman. Há uma relação entre essa evolução e o passado dos pais do Bruce. Temos o passado da mãe dele, repleta de tragédia, tristeza e violência e a do pai dele que, apesar de alguns erros, será sempre recordada pela filantropia, caridade e pureza. O Batman, enquanto personagem, é uma odisseia para chegar a ser um Wayne puro. O que quero dizer com isto. A natureza do personagem consiste na utilização da violência e tragédia (paralelismo com a mãe) para tentar chegar a algum nível de justiça e caridade (paralelismo com o pai).

Riddler, um vilão impactante

O tema não é novo, fazer justiça pelas próprias mãos da maneira mais cruel possível não é uma novidade na cultura pop. Death Note está aí para nos mostrar isso. Mas no universo Batman é diferente. Primeiro porque as personagens são bem estruturadas, têm personalidades originais e são bem programadas para o efeito. Depois, porque choca diretamente com a índole do Batman. A única diferença entre eles e o morcegão é que eles “passam o limite” que o Wayne tanto fala no filme. O limite de querer tanto justiça que te tornas num deles.

Riddler foi um desses que passou a linha, e de forma muito macabra. No mundo do cinema do Batman, sempre que alguém fala de vilões, um termo de comparação é logo imposto. Se considerarmos esse termo de comparação para definir um bom vilão de Batman, penso que este passa no teste. Mas sendo essa comparação injusta de muitas formas cabe-me apenas dizer que é um vilão muito competente. A vantagem de se trabalhar com o Batman é que ele tem excelentes vilões para servir de base para um filme, a desvantagem é que o legado do Ledger é tão grande que parece que, a partir desse ponto, para um vilão ser bom tem de chegar a um perfil semelhante. Aquela pessoa insana, que se diverte com a crueldade, que tenta brincar com o status quo de Gotham de maneira macabra. Confesso que esse forçar de perfil, a meu ver, prejudica em algumas partes da construção da personagem. Algumas cenas nas “lives” que ele fazia perdiam um pouco o poder com esse esforço em torná-lo maluco, faziam até que, em certas alturas, não conseguisse levar a personagem a sério. Estas coisas foram mascaradas pela complexidade das suas ações ao longo do filme, e depois com aquele interrogatório delicioso (apesar de, mais uma vez, encaixar no perfil do Joker com mais uma cena de brutalidade num interrogatório). Confesso que os defeitos da personagem foram-me escapando das mãos com esta máscara bem feita de complexidade de ações que Riddler proporciona.

Os assassinatos são bastante bons e impactantes. Temos aqui um bom exemplo do que fazer para caracterizar um maníaco que quer matar super-heróis.

Aspetos técnicos: dos atores à realização

Apesar do tamanho irregular para um filme do género, penso que soube muito bem implantar um ritmo interessante ao longo do filme. Para isso todos os aspetos técnicos têm de estar impecáveis, e estiveram.

Os atores parece que foram desenhados para cumprir aquele papel, o Pattinson é um excelente Batman e Bruce Wayne (falta-lhe um pouco de canalhice na faceta fora da máscara, mas é aceitável), o Collin Farrell, por incrível que pareça, É o Pinguim, dificilmente haverá alguém tão completo para o mesmo papel, o Jonh Turturro consegue transparecer de forma excelente o obscurantismo por detrás de Carmine Falcone, e o Alfred… bem o Alfred não entra, para mim, nesta lista de bem caracterizados.

O script tem um pouco de tudo, suspense, humor, ação, mistério, …. Foi feito à medida para um filme que promete sair do caminho clássico de filme de super-heróis e pretende ser mais que isso. Os meus únicos problemas com ele são a relação entre o Homem-Morcego e a Cat Woman e o aparecimento do Joker. Acho a relação amorosa forçada, enfadonha e desnecessária. Eles não tiveram tempo de se relacionarem bem o suficiente para acreditar naquele amor. O aparecimento do Joker é o morder do anzol por parte da produção na cultura chata do hype.

O clima do filme encaixa mesmo bem no script e foi muito bem conseguido.

Mas o meu destaque vai para as coreografias de combate. Alguém dê um prémio monetário ao senhor ou senhora que criaram tais lutas. Cada soco que o Batman dava era sentido, mas principalmente cada golpe infligido no Batman era mais sentido ainda, quase como que cada movimento fosse uma queda maior do pedestal de pessoa com força sobre-humana, para um “este gajo deve ficar bem dorido ao longo do dia”. A movimentação do Batman está muito melhor do que na versão do Nolan, que era meio robotizada.

Considerações finais

Concluindo, este filme é uma chapada bem firme para quem vai vê-lo com preconceitos. Para quem tem preconceitos com o Pattinson, a chapada é administrada por uma atuação divinal. E para quem tem preconceitos com filmes de super heróis, levou a maior chapada que poderia levar. The Batman é um filme corpulento, complexo e altamente questionador. Questionador tanto no micro, onde a índole e os valores de um herói que quase serve de bússola moral em diversas situações são postos em cheque por um assassino macabro, como no macro, onde o que é posto em cheque é a resposta que alguém poderá ter à pergunta “O que é um filme de super heróis?”.

Óbvio que, para quem ainda tem os olhos tapados. Para quem ainda considera que um filme baseado em algo relacionado à cultura geek ou otaku tem de ser puro entretenimento e que não há espaço para questionamentos e ensaios morais, não só mostro uma profunda inflexibilidade intelectual, como nunca terá a abertura para entender uma obra deste género.

Sim, o Batman pode ser questionado. Sim, o género pode ser questionado. Esta é a amostra.

9.0
Score

Pros

  • Bons atores
  • Script completo e questionador
  • Uma boa releitura do Batman e boa introdução
  • A ambientação do filme
  • As coreografias do filme
  • Excelentes paralelismos e jogadas metalinguísticas
  • A sombra nos olhos do Pattinson

Cons

  • O Alfred
  • Algum forçar da algumas características de Riddler
  • O aparecimento do Joker
  • A relação com a Cat-Woman

Related posts